Notas em Dia
Brilhinha e SaltitãoBrilhinha e Saltitão

Brilhinha e Saltitão

Brilhinha e Saltitão

Era muito, mas muito depois do fim do último dos arcos-íris que pintam os céus da primavera que se escondia o magnífico mundo mágico chamado Lugar dos Afetos, um sítio onde os riachos corriam ao contrário, os cogumelos eram do tamanho de árvores e a beleza da natureza deixava qualquer um de queixo caído.

E era aqui que morava o Saltitão, um pequeno, bem pequeno grilinho, meigo e de coração nobre, que apesar das suas muitas tarefas não perdia uma oportunidade de se maravilhar com o seu mundo.

Este pequeno grilo, bastante humilde mas muito trabalhador, poupava todas as suas moedas para um dia conseguir casar com uma companheira que o fizesse muito feliz e com quem partilharia uma daquelas lindas casinhas das árvores com que o Saltitão tanto sonhava. No entanto, do seu coração transbordava bondade e sempre que alguém em apuros lhe vinha pedir uma moeda emprestada, ele emprestava, e nunca se chateava se o amigo não lha pudesse dar de volta.

Num certo final de dia, já na hora do lusco-fusco, depois de mais um dia de trabalho, Saltitão seguia o seu caminho para casa, sempre perdido nos seus sonhos, quando de repente viu uma luz muito ténue, que de vez em quando se fazia notar entre umas ervas altas já quase à porta da sua casa. Deixou as suas coisas num canto e muito cautelosamente foi espreitar entre as ervas.

– Oh! – suspirou o Saltitão.

Ali no meio das ervas jazia uma pequena pirilampo fêmea, com a sua luz a piscar, com o brilho a esmorecer e o Saltitão soube naquele exato momento que tinha de a ajudar rapidamente para ela se poder salvar.

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Assim, com muito cuidado, pegou naquele pequeno corpinho e correu até casa. Colocou-a na sua cama, aconchegou-a com as cobertas e pôs a casa bem quentinha. As horas foram passando e não havia muito mais que o Saltitão pudesse fazer a não ser aguardar, desejando que ela ficasse bem. Passou toda a noite a velar o sono daquela pequena criatura, não sabia quem era, de onde era ou como se chamava, mas sabia que o seu coração se enchia de preocupação e ternura só de olhar para o seu rosto adormecido.

Quando a pequena pirilampo acordou, viu um grilo todo torto e encolhido numa pequena cadeira à cabeceira da sua cama. Tinha a boca aberta e dormia profundamente.

Devagar, levantou-se e não reconheceu onde se encontrava. Estava numa pequena casa, uma toca, mimosa e asseada.

– Olá… – disse a medo.

Foi o bastante para o Saltitão pular veloz da cadeira, quase caindo.

– Estou acordado, estou acordado… – balbuciou.

– Olá, eu sou a Brilhinha, e tu quem és?

– Olá, Brilhinha, muito prazer. Eu chamo-me Saltitão e fui eu que te encontrei quase à porta da minha casa, não estavas lá em grande estado! Por isso trouxe-te para a minha casa para ver se recuperavas, acabou por correr bem!

Brilhinha estava emocionada, um perfeito estranho tinha parado para a ajudar.

Rapidamente lhe contou o que se passara. Saíra de casa logo pela manhã, tinha umas compras para fazer, a mãe tinha-se oferecido para as fazer, mas ela não aceitou, queria ser ela a tratar dos seus afazeres, só que não estava acostumada! Confundiu-se com a carreira dos gafanhotos e saiu na paragem errada, acabando por se perder, não muito longe dali. Uns abelhões malandros, vendo-a desorientada, deram-lhe um valente encontrão, atirando-a desamparada para a beira da estrada, aproveitando para lhe roubar todos os seus sacos e a sua bolsa de moedas.

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– Se não fosses tu, a esta hora poderia estar morta! Obrigada pela tua ajuda!

O Saltitão fervia de raiva por causa dos abelhões, mas o seu coração resplandeceu com as palavras carinhosas da Brilhinha.

Era oficial, estava apaixonado!

O Saltitão ofereceu-se para a levar a casa, não queria que se perdesse ou que alguém lhe voltasse a fazer mal, além disso podia ainda não estar totalmente recuperada, e assim podia estar mais um bocadinho com aquela magnífica pirilampo.

Brilhinha vivia na Rua das Luzes, era uma zona bonita e bem longe da casa do Saltitão, mas ainda bem, aproveitariam o caminho para se tornarem bons amigos.

E foi isso que aconteceu, e muito mais. Aos poucos, perceberam que gostavam muito um do outro e queriam ficar juntos para sempre.

– Podemos morar numa daquelas casas da árvore que são tão bonitas, o que me dizes? – perguntou o Saltitão de coração apertado.

– Parece-me um sonho! Um sonho que muito em breve se tornará realidade!

Mas nem todos eram da mesma opinião.

Quando chegaram a casa da Brilhinha, que era no mínimo majestosa, o pai dela, Dom Brilhote, não gostou nem um pouco desta história de paixões, achou que o grilo se queria aproveitar da sua inocente filhinha e da sua abastada bolsa.

– Ai isso é que não! – vociferou Saltitão – Posso não ter as mesmas condições de vida que o Dom Brilhote, mas sou um grilo honrado, não ajudei a sua filha com interesse, as minhas intenções são verdadeiras, assim como os meus sentimentos. O Dom Brilhote pode ser rico e sábio, mas deixe-me dizer-lhe que o meu coração é nobre e com os sentimentos não se brinca.

Dona Justa Brilhantina, mãe da Brilhinha e por acaso a juíza do Lugar dos Afetos, fez-se ouvir:

– Ora vamos lá ver, quem vai resolver esta história sou eu.

Dirigiu-se à sua grande secretária e abriu o Grande Livro dos Saberes. Lá estavam todos os registos das ações, boas ou más, de todos os moradores da cidade.

E o que viu agradou-lhe.

Com um sorriso dirigiu-se ao grilo:

– Ora, meu caro grilo, pelo que vejo, nunca agiste de maneira que prejudicasse o teu próximo, és honrado, trabalhador e de coração muito nobre.

Posto isto e uma vez que sou a juíza cá da terra, mesmo não sendo usual uma união como a vossa, decreto que, sendo essa a vossa vontade, poderão casar-se.

Os dois jovens não cabiam em si de tanta alegria!

– E antes de terminarem os festejos quero acrescentar que tu, meu caro Saltitão, por teres ajudado alguém que não conhecias, desprovido de qualquer interesse, receberás uma recompensa de mil moedas, será Dom Brilhote como pai da noiva a pagar-te – decretou a juíza Justa Brilhantina com um sorriso rasgado e um piscar de olho.

Passados uns dias fez-se o casamento. Não houve um só grilo ou um só pirilampo que faltasse à festa, era a primeira vez que uma união destas acontecia no Lugar dos Afetos. 

E como estava bonita a festa! Todos os pirilampos brilhavam e todos os grilos cantavam, que maravilha!

O que vos posso contar mais, meus pequenos grandes amigos? Que foram felizes para sempre? Sim, com certeza que sim! Mas mais importante do que isso é dizer-vos que a bondade, o amor e as boas ações triunfam sempre. Melhor do que ter dinheiro é saber partilhá-lo quando necessário, e poder fazer o bem a quem precisa.

Já o velho ditado dizia : “Amor com amor se paga!”

E eu digo-vos: “Uma boa ação por dia nem sabes o bem que te fazia!”

Gri, gri, gri, esta história brilhou até ao fim!


Autora
Débora Lopes
Ilustração
WEBCOMUM