Usucapião, o que é e como funciona
Usucapião, o que é e como funciona
Sabia que a posse prolongada de um bem pode, em determinadas condições, transformar-se em propriedade legal? Neste artigo, explicamos de forma clara o que é a usucapião, como funciona e quais os cuidados essenciais para proteger os seus bens.
Usucapião: definição e enquadramento legal
Também designada por aquisição prescritiva, usucapião “é a aquisição da propriedade com fundamento na posse de longa duração”. Por outras palavras, “tem o direito de invocar a usucapião quem tenha sido possuidor de uma coisa durante um longo período, tornando-se proprietário ao fazê-lo” de acordo com definição no Diário da República.
A usucapião é um mecanismo legal que permite adquirir a propriedade de um bem, móvel ou imóvel, pela posse prolongada, pacífica e ininterrupta, como se fosse proprietária durante um determinado período de tempo, mesmo sem um título formal de propriedade. De acordo com o artigo 1287.º do Código Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação”.
Usucapião de bens móveis e imóveis
No caso dos bens móveis, podem ser alvo de usucapião bens como carros, motos, máquinas, quadros e outras obras de arte, joias, livros, eletrodomésticos, entre outros.
No caso de imóveis, a usucapião em Portugal pode acontecer por exemplo, por o chamado cadastro predial não estar terminado. Ou seja, inúmeros terrenos sem registo predial, muitos deles sem que os próprios proprietários saibam localizá-los – caso por exemplo de heranças e porque em muitos casos, com o tempo os marcos também desapareceram, entre outros fatores – podem levar à chamada posse por usucapião.
Por exemplo, alguém decidir limpar, cultivar ou mesmo construir uma casa num terreno “abandonado”. Se os anos passarem sem que os legítimos proprietários se apresentem como donos e esse alguém continuar a usar o terreno como seu, pode dirigir-se às Finanças, munido de planta da propriedade com as devidas confrontações, e pedir a inscrição na matriz. A partir do momento em que receber em casa a notificação da avaliação feita e do valor patrimonial tributário, pode dirigir-se a uma conservatória para pedir uma “certidão negativa”, reunir três testemunhas que confirmem que de facto esteve a tratar do terreno ou a habitar o imóvel durante os anos exigidos e apresentar a certidão a um notário para fazer escritura de justificação notarial. Esta escritura tem depois de ser publicada no jornal nacional, mas se nos 30 dias seguintes ninguém reclamar, é possível para entregar nas Finanças o Modelo I do Imposto Municipal sobre Imóveis, apresentando-se como proprietário. Após pagar o respetivo Imposto do Selo, o terreno em questão passa a ser seu.
Requisitos necessários para invocar a usucapião
Para que a usucapião seja reconhecida, é necessário cumprir três requisitos fundamentais:
- Posse contínua e ininterrupta: O interessado deve exercer o domínio do bem (por exemplo, habitar, cuidar, cultivar) durante um período de tempo definido em lei, sem que haja interrupções ou contestação do proprietário.
- Posse pacífica e pública: O uso deve ser feito de forma visível, notória e sem oposição de terceiros, como se o possuidor fosse o legítimo dono.
- Prazos mínimos exigidos: Para imóveis, o prazo varia entre 10 e 20 anos, dependendo da existência de boa-fé e justo título (um documento que legitime a posse). Com boa-fé e título aparente, o prazo é de 10 anos; sem estes, é de 20 anos. Para bens móveis, com boa-fé e justo título, o prazo é de 3 anos; sem eles, é de 10 anos.
Limitações e exceções à usucapião
- Imóveis arrendados ou emprestados não podem ser objeto de usucapião pelo arrendatário, pois a posse decorre de um contrato (mera detenção).
- A usucapião só é possível se o verdadeiro proprietário não se opuser eficazmente ao longo dos anos e se a posse do ocupante for visível e pacífica.
- É sempre necessário haver posse qualificada e pública a agir como dono; a mera ocupação por si só não basta.
Quando e como é que se pode contestar a usucapião?
A contestação da usucapião só é possível antes da decisão judicial final que a reconheça. Durante o processo, terceiras partes interessadas (como os antigos proprietários ou herdeiros) podem opor-se, apresentando provas de que a posse não foi contínua, pacífica e pública ou que houve má-fé ou interrupções no uso, argumentando que a posse foi interrompida (por exemplo, através de notificações formais feitas pelo proprietário), que foi clandestina, ou não se fazia com intenção de agir como dono, ou apresentando documentos comprovativos da tutela da propriedade pelo contestante.
É importante salientar que a oposição só pode ser apresentada antes da decisão do tribunal; após essa fase, reverter a decisão torna-se extremamente difícil.
Como proteger propriedades contra eventual usucapião?
Se possui imóveis (onde se incluem terrenos), deve registar o imóvel na Conservatória do Registo Predial e manter os registos atualizados. Se não sabe bem onde se encontram, procure identificá-los.
Recomenda-se visitar regularmente terrenos ou propriedades desabitadas, evitando o seu estado de abandono e desta forma evitar igualmente que terceiros utilizem o terreno de forma contínua, não autorizada e sem oposição. Se detetar ocupação ou uso ilegal, deverá solicitar intervenção das autoridades.
Reforce vedações, bem como outros pontos de acesso e entradas para impedir acessos e prevenir o uso não autorizado.
Reúna e guarde toda a documentação que comprove a posse efetiva e as ações de tutela da propriedade (faturas de água e/ou luz, por exemplo, ou pelo menos fotografias periódicas).
Tome nota: se algum dos seus imóveis for alvo de ocupação indevida, procure rapidamente apoio jurídico.
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